sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A mistura de dois que não dá um

Abro espaço para tecer um elogio ao putardo do Bury. Os textos do cara são cirúrgicos, com instinto de “V de Vingança” – acredito que tinham de ser lidos em pleno “horário nobre” da televisão. E
como ele contou essa linda historia de seu tragicômico domingo, vou dar continuidade a ela, voltando um pouco no tempo e a alguns domingos passados. Também será sobre o gordo Neto, mas, principalmente, sobre o nosso bom e velho “sangue, suor e lágrimas”, que tanto rivaliza com o “planejamento, execução e merchandising”.
Estava relembrando com um colega de trabalho as primeiras lágrimas que derramamos no futebol. Ele é bem mais novo do que eu, outra geração ate – embora sua mentalidade e atitude não demonstrem isso. Rompeu aos prantos pelo seu Palmeiras-Parmalat derrotado em 1995. Ali, a
sombra do antifutebol já rondava minha alma. Eu debutei pouco antes, em 1985. Desde esse ano, disputei torneios de futebol de salão e, ainda um garotinho de cinco anos no banco de reservas, não resisti aos gols que levamos numa prorrogação que valia titulo. Demorei a parar, ate que minha mãe ofereceu o lanchinho pós jogo e a coisa fluiu rumo a mais uma segunda-feira. Eu aprendia a nascer no futebol. Nos anos subseqüentes, derramei outras tantas lágrimas ao
jogar, mas nunca pela emoção da vitoria; sempre decepção da derrota. O futebol sempre ensinou os jovens a lidar com as adversidades da vida de maneira adulta, enquanto ele foi futebol de verdade. Ao vivê-lo intensamente, as derrotas explodiam na sua cara, assim como o cronômetro, impiedoso, não podia parar – e realmente não há como se esconder num campo de jogo desses. Mas é no futebol profissional que o caldo engrossa – incluso o das lágrimas. Meus olhinhos fitavam a TV, enquanto Zico, Sócrates, Platini e Julio Cesar perdiam seus penais, na épica
partida entre Brasil e França, na Copa de 1986. Não chorei; talvez muito novo, me senti “apenas” assustado e preocupado com o desespero e lágrimas de meus pais e tios, pós desclassificação dos canários. Parecia o anúncio de uma nova guerra mundial, de tão fúnebre que ficou minha casa. A vida seguiu. Vi meu pai, tomado pela raiva, espatifar no chão seus óculos quando D.W. Boschilla apitou o fim do jogo decisivo do Paulista de 1987. A luz havia acabado no bairro bem na
hora do sagrado jogo, e ele acompanhou o prélio num daqueles aparelhos de imagem em preto e branco, que pareciam cinemas para formigas. Enputecido, ele se trancou no quarto e minha mãe, imediatamente, veio correndo, querendo saber o que tinha acontecido. Eu sabia muito bem o que era – e era muito mais do que uma derrota em um jogo. Era o poder do futebol que me encantava cada vez mais; já estava cooptado por ele, e por esse comprometimento que te fazia destruir um objeto que seria útil no dia seguinte de trabalho sem pestanejar – o futebol realmente desintegrava os homens. Mas também não chorei. O velho havia me levado, junto
ao meu irmão e um primo, na primeira partida daquelas finais. Eu estava louco, não podia crer que existia tal universo nesse inferno de vida. Mas, em 1988, eu amadureci. Foi o primeiro ano que acompanhei, de fato (como “gente grande”), rodada a rodada, o Campeonato Paulista e não agüentava mais desconhecer o sabor de um titulo. Quando a ultima rodada chegou, e o Corinthians tinha de vencer o Santos e ainda torcer pela vitória dos rivais verdes (já desclassificados) contra a máquina do São Paulo, fiquei doido. E, do nada, anunciei ao velho: sou
tricolor. Honestamente, episódios como esse me fazem crer que desde tenro garoto já tinha uma intuição de buscar, por conta própria, meu verdadeiro amor no futebol – ate que me encontrei com meu querido Juventus. Em 1995, por exemplo, tinha o pôster de Giovanni com a camisa do Santos no meu quarto – não acho que essa seja uma atitude muito normal de um “corintiano”. Mas voltando a historia, eu tinha de ser campeão, de qualquer jeito. Ate que Gerson Caçapa matou os tricolores e me salvou de ser um Bâmbi. O convite, irrecusável, do velho para
irmos a primeira partida das finais contra o fortíssimo Guarani, me trouxe uma real possibilidade de ser o primeiro. ‘É agora ou nunca! Quem é esse Guarani ai?’. Envolto nessa insuportável expectativa, rumamos ao Morumbi inflado de bandeiras e rojões. Eis que surgiu, então, a famosa bicicleta de Neto – que, por sinal, aconteceu bem na nossa frente. E ali, como acontece com todo choro verdadeiro, eu explodi. Era muito humilhante levar um gol daqueles (ainda mais numa final) e o time adversário era visivelmente superior em campo. Eu não queria acreditar no meu azar. Somado a minha inexperiência de vida (e de jogo, também), o gol me fez visualizar duas goleadas bugrinas nas finais. Me fechei no meu assento e chorei feito um bebê, ate que o primeiro tempo acabara e eu, por fim, me acalmara - sem aquela tinhosa presença da pelota que parecia correr contra meu destino. Acredito piamente que as primeiras lágrimas no futebol têm de ser de tristeza, ou raiva. Como a raiz que vem da terra e troca com o ar seus
fluidos vitais – de baixo pra cima, de dentro pra fora, como toda revolução. Todavia, não chorei de alegria com o titulo de Viola, uma semana mais tarde – talvez ainda novo, um pouco tímido para derramar lágrimas triunfantes. Faltava algo, mas ali eu aprendi a bater punheta no futebol. Por mim, eu podia passar o resto da vida sem outra conquista, outra taça – já tinha passado pelo mais difícil, a perda da virgindade e da falta de gozo. E como ele é bom! Dois anos se passaram. Quem conviveu com o Corinthians nesses tempos, lembra que pós torneio estadual, não havia muito mais esperança pro restante do ano. Assim, quando Silvio e o Bragantino massacraram o time de Marcio e Ronaldo, fui as lagrimas de desespero – bradei pela casa que não iria a escola na manhã seguinte. Fui, mas colei num camarada corintiano e lancei: ‘pois é, agora só no ano que vem’. Como eu morro pela minha boca! O Campeonato Brasileiro chegou e com ele havia
Neto jogando como um Maradona (quase, ok). Seu futebol e liderança (muito mais do que “apenas” suas cobranças de faltas) levaram o Corinthians a um mata-mata decisivo. A expectativa era muito grande, e o velho levou seus pupilos a partida contra o Galo Mineiro, pelas quartas-de-finais. A necessidade de um bom resultado em casa, misturado a falta de cancha daquele plantel, fez o jogo transcorrer de maneira absolutamente dramática, digna de um teatro grego da
antiguidade. O jogo era elétrico e o Pacaembu tinha uma atmosfera de guerra literalmente, com bombas e gritos enfurecidos. Faltando quinze minutos pro fim de jogo, o placar apontava a vantagem mínima pros visitantes. Eis que o camisa dez, em dez minutos de jogo, virava o escore e sacramentava a vitória. No primeiro tento me emocionei muito, mas todos ali sentiam, juntos, que o empate ainda não era o orgasmo. Mas no segundo, explodi como nunca. Não havia como
resistir, segurar – como uma avalanche nas montanhas de neve. O aspecto heróico presente, o fraco batendo o forte, os abraços com meu irmão e com outros desconhecidos, os gritos ensurdecedores da massa, a expressão de delírio de meu pai... gozei, digo chorei – e muito, aos berros! Ali eu aprendi a foder no futebol. Fui empurrado para dentro do trem da alegria, como fazem com você no metro de SP as 18 horas (na verdade, em quase todos os horários hoje em dia). E adorei, claro.
Voltei a molhar o rosto e ruborizar os olhos em outras oportunidades: em 93 e 95, nas duas maiores roubalheiras que já vi – e nas duas eu torcia pelo afanado – e ate mesmo com o Brasil de Romário, em Los Angeles (minha grande despedida da seleção). Logo viriam a Nike, a Globo e as Ronaldos-Manias e todos os meus prantos a seguir (e já foram muitos, garanto) viriam acompanhados de um ódio mortal e não mais de decepção ou êxtase esportivo. Desses não quero falar agora. Ate que chegou a Mooca, nossa querida torcida e o titulo de 2007, o “Javarinazzo”
seguido de um milagre no ultimo segundo de uma temporada inesquecível pra mim e pro Juventus - detalhe, hoje faz exatos quatro anos desse dia inesquecível. Como Roberto Gomez Bolaños, fiz Pi-pi-pi-pi-pi-pi... Ali eu renasci no futebol e chorei com tal – e senti, uma vez mais, que nenhum dos choros antes dos grenás tinha esse sabor. Essas minhas memórias clubísticas antes de minha epopéia com os Travessos foram apagadas, sobrepostas pela paixão que descobri no time da Javari. Mas as lembranças permanecem ativas como coisas que vivi, aprendi, sofri e gozei. Hoje, nem ligo mais pra lagrimas de vitorias e
derrotas. Numa guerra, como a que estamos metidos contra o dinheiro, elas são apenas um combustível natural pra suportar a pressão. O mundo globalizado, misturado, onde a Coca-Cola Company promove shows para Chitãozinho e Chororó compartilharem o palco com a “roqueira” Pitty (de acordo, afinal eles representam o mesmo estilo, ou seja, o comercial) e a torcida favelada do Rock Gol da MTV veste camisetas do Mc’Donalds e Banco do Brasil não me agrada nem um pouco. Outro dia liguei nesse programa pra ver se ao menos um futebol que já nasceu
pra ser idiota me agradava. Mas não consegui fitar a imagem por muito tempo. O gramado
sintético e (muitas) outras coisas me fazem enxergar o futebol business em todo lugar. Lá estava, como sempre, o ex-árbitro Edmundo Lima Filho, que foi bandeirinha na final de Viola, em 88, e arbitro principal na final carniceira de 90. E como disse o Bury, o Netão, hoje “comentarista”, realmente comparou a virada de Adriano com essa que acabo de relatar, apesar da gritante distância entre elas. Simples, porque quando se custa caro e se sai de Porsche do Pacaembu, o
negocio tem de ser grandioso, a qualquer custo. Chorei, largado!

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

É que a maquiagem ajuda um pouco

Aproveitando que Toro reativou este sítio, contarei uma breve historinha aos amigos.

Não via um jogo há umas três semanas. Não havia vontade. O Brasileiro, que todos os envolvidos financeiramente com a competição sacramentam ter "um final emocionante", só me provoca bocejos. Tudo ali recende a morte e oportunismo; cada novo jogo é um velório de 90 minutos com gente a disposta a tudo pela venda do caixão mais caro. Coisa reservada aos nulos de espírito ou aos entusiastas das facilidades modernas (tecnologia, consumismo, conectividade, etc.). Pois bem: fui encarar de assistir Corinthians x Atlético-MG. Não consegui; me perdia em meio a outras coisas mais interessantes. Então o Galo sai na frente - e o Mosqueteiro empreeende uma pressão tão fajuta, tão em acordo com esses tempos de aceitar qualquer carrinho como "raça", que instantaneamente passei a ter nojo daquela vergonha em campo. Era uma pressão desordenada e de fundo medíocre porém já rotulada de antemão como "típica do Corinthians"; a classificação precedia o que acontecia em campo, e assim deveria ser engolida pelos que assistiam, mesmo que esses percebessem ali um time amedrontado com a repercussão da derrota em casa para seus planos pessoais, e não um esquadrão em busca de uma virada a segurar o próprio coração na ponta de uma estaca.

Pois então o orgasmo da mídia (essa entidade que hoje é quem pressiona os jogadores e as agremiações, não mais a torcida) entra em campo: Adriano. Neto já percebe que o "Imperador" não tem condições de jogar, e o diz, até mesmo com certa raiva, no microfone da Band. De repente, Adriano faz o tento que vira a partida. Eu desando a rir, não conseguia parar de gargalhar, tive um acesso de riso como há muito não tinha, pois ali estavam desnudadas as maiores falácias do futebol moderno: um sujeito que, de gordo e aleijado passa a gênio em um piscar de replays; uma torcida que vaiava uma atuação bizarra de seu time e que, em alguns instantes de uma magia que só o hipnotismo coletivo pode proporcionar, passa a considerar aquela uma "virada histórica" (é muita história sendo feita em tempos tão nulos, não?); comentaristas de TV e redatores de sites já com as manchetes prontas, tipo "Adriano salva o Timão", "Virada na raça", "Sofrido como corinthiano gosta" e bobagens assim que não apenas não davam conta da piada que se via em campo, mas que mostravam como nossa época carece (mas não se interessa por isso) de sair do script do lugar-comum... Saí da sala ainda gargalhando; com o cenário todo pronto em minha mente, só precisaria ali continuar se fosse débil mental. No dia seguinte, por prezar minha saúde estomacal, não acessei site algum - somente um, o blog do querido Neto, que, já esperado, mudava seu discurso, agora em prol de Adriano, pois este "calara sua boca". Assim funciona: mude sua opinião de acordo com o lado para o qual o dinheiro e a preguiça mental apontam. Não mais assisti a nada relacionado a futebol ou ao imundo Brasileirão depois disso; e, quando algo surge de surpresa, minha reação imediata é dar risada. Fim.

(Em tempo: o site do garoto Lucas, esse craque que nunca decidiu um jogo, lançado com estardalhaço essa semana, configura-se como um dos capítulos mais constrangedores do futebol em toda a sua história. Não linkarei esse entulho aqui - se tiver curiosidade em ver a maquiagem que o modernismo reserva a seus "meninos de ouro", vá ao Google por sua conta e risco.)

Mudanças necessárias (e amargas)

Inspirado por dona Tota, ouvindo Alice in Chains


A permanência de Neymar no futebol brasileiro não significa uma vitoria do mesmo sobre o de fora, por favor! Significa business, planejamento, portfólios e marketing. Sou formado em Publicidade e dependente químico de futebol; dessas coisas aí eu até conheço um pouco. Se ele for pra Europa, primeiro vai ter que dividir a atenção com outros menininhos que já adquiriam esse status de Deus, tipo uns Cristianos e Lioneis que andam por lá - de Ferraris, claro. E dividir no business (o sinônimo de futebol hoje) significa menos bufunfa, nego! Olha o perigo, ai! Não podemos esquecer também da adaptação, sempre difícil para Sócrates ou Violas (tanto faz sua formação de vida). Você estará longe de tudo que sempre te cercou. Nem mesmo jogando bola e enchendo o cu de dinheiro, às vezes, compensa o esforço, e seu rendimento em campo pode (como muitas vezes já vimos em outros players) piorar – e muito. Pra que ver Neymarzinho rebolando de clube em clube, de fracasso em fracasso como seu heroizinho Robinho? Nada que vá atrapalhar sua participação da seleção da Nike. Pra se chegar nela hoje, basta vender - sabemos disso. E as vendas virão lá ou cá, jogando bem ou não, porque sempre se joga bem nas mesas dos publicitários e empresários. Mas será muito melhor vestir a antes sagrada – hoje, mais do que profanada – amarelinha sem esses atritos de imagem. Outro aspecto importante, é que não há mais diferença entre o futebol de lá e do cá no que diz respeito à carreira e outras coisas. Agora temos, aqui na terra das bananas, a mesma liga de 38 rodadas, o calendário, estádios (e alma) cada vez mais “europeus”; se não temos a Sky alimentando toda essa parafernália (tenham inveja, putos saqueadores!) aqui está dona Rede Globo pra fazê-lo. E graças a toda esta investida covarde que aqui sempre citamos, o Brasil tem hoje uma classe de consumidores do futebol tão potente quanto à de um país de primeiro mundo. Consumir é fácil, consome-se com avidez ate escovas de cabelos, amigo! E apesar do futebol não encontrar quase nenhuma diferença mais entre os diferentes torneios (ate porque todos eles estão recheados com jogadores do mundo todo), aqui, sabemos, o nível dos clubes médios e pequenos está cada vez mais paupérrimo e isolado de qualquer disputa com os da “elite”- e na verdade, isso também não tem muita diferença com o que vem acontecendo no velho continente. Sobraram, no “país do futebol”, os 12 grandes (num território que abrangeria quase toda a Europa; sinceramente esse número pra mim não é baixo, nem alto e, sim, absolutamente normal) e assim se disputa o “melhor campeonato do mundo”. Portanto, fazer Neymar ficar é fazer (muito) mais dinheiro. É apenas mais uma nova fase da investida capitalista no espírito esportivo e, conseqüentemente, da destruição do mesmo. Sinto muito, mas nós, do Antimídia, não compramos essa balela que tentaram nos fazer engolir. Abro a Folha de SP hoje e vejo a manchete “Não a Ronaldo”. Poxa! Seria um milagre dos deuses do futebol? Alguma – por fim – critica ao primeiro e onipresente deus do futebol mercantilizado? Que nada, Torito! O “não” que o Santos teria dito ao Real Madrid e a seu procurador Nazário - o novo “homem”empresário – só reflete na reportagem a promoção dessa nova fase de Ronaldo e os rios de dinheiro, claro, que ela vai trazer consigo. Foi apenas mais uma pecinha nesse quebra-cabeças, um estímulo a mais pros leitores receberem em suas consciências amortizadas pelo novo futebol, onde sumiu a expressão “mercenário”de tanto que ela se coloca como regra hoje pros players e afins. Tanto que no Uol – da “respeitável” Abril – nem havia mais um “não”estampado (esse que tanto dizemos, mas com o coração); estava lá, direto, a manchete de que o Fenômeno havia feito uma oferta por Neymar. Faz-me-rir! O açougue continua funcionando no futebol mercantilizado, gente! Amaciando e depois perfurando. Os deuses realmente estão onipresentes, nem precisam mais viajar além mar; aqui é a terra deles e de suas contas bancarias! E nos aqui, metendo o pau em tudo o que vier pela frente! Aguanten el blog de la locura!


...E Diós ficou órfão: lembro da historia do vestiário argentino, antes da partida contra os ingleses, na Copa do México, em 1986. Diego, sentindo todo o peso da nação, começou a chorar e gritou pela mãe “tiengo miedo, Tota! Tiengo miedo!”. Não houve convulsão, porque esse é O verdadeiro! Passada a explosão, virou-se a todos e gritou pela vitoria que ele traria (quase sozinho) dali alguns minutos – o maior de seus milagres! Dona Tota fora recebida com toda alegria e força que merecia na sua morada esperada. Forza Diego! Sempre estaremos contigo!

domingo, 20 de novembro de 2011

¡Canchatumadre!



Depois de minha trilogia da amargura, volto a girar minha metralhadora. Há um “detalhe” (curioso e perturbador) à respeito dos estádios de futebol nestes idos correntes: os espaços para os “ricos” e para os “pobres” foram completamente invertidos de papéis. O que se vê hoje é o futebol elitista, sonho de tolos do início da história do jogo, que queriam aquele jogo
“só pra eles”. Desde que o futebol saiu das galerias das escolas britânicas e das pompas da “alta sociedade”, que promovera em primeira mão aquele espetáculo, os estádios tomaram aquela mágica forma de, aproximadamente, 75% para o povão (setores populares, no cimento) e o restante para os mais abastados, que podiam comprar uma entrada mais cara do que os demais e
desfrutar do jogo todos sentados e com cobertura contra possíveis intempéries do tempo. Foi tudo natural; a demanda exigiu esse desenho e assim nasciam os campos mundo afora. Devido à volúpia da massa, que começou a viver a paixão desse jogo inigualável, as festas não tinham precedentes na história do esporte, o grito de gol tornou-se o orgasmo fora do sexo – embora tão
descontrolado quanto. Assim explodiu na cara do planeta o filho retardado do rugby. O tempo passou, chegou o maldito futebol modernista e a coisa, em torno dos dez anos, se inverteu por completo – e ainda continua a piorar. Se pararmos para analisar os campos de futebol de hoje,
vamos conferir que quase todo o ambiente está recheado com as classes A e B (atenção os da B; já tem hora marcada pro fim de seu deleite também), enquanto o povo vem sendo (literalmente) chutado para fora dos mesmos. O espaço onde se identificam os verdadeiros torcedores está cada vez mais diminuto – parece, as vezes, até uma jaula de zoológico (a Arena de Amsterdã tinha um setor desses já no seu projeto inicial, em 1996), onde ficaria o exótico, o diferente. Pois o
comum, o padrão, agora é aquele torcedor que só vive pela vitória (não sabe lidar com os outros dois resultados possíveis no escore –bem típico de um consumidor que exige “sucesso” a qualquer custo), compra todos os produtos idiotas do seu clube, não canta absolutamente nada (vale lembrar que o canto é a arma de um torcedor) e segue, de olhos fechados e coração aberto (eita combinação perigosa!) tudo o que o molde da mídia manda (e desmanda, também). A
atitude cada vez menos da vazão pela tradição de seu clube e cada vez mais de sua autopromoção
e presença (quase que somente) física nas bancadas – todos loucos pelas câmeras de TV (ou de celulares, idem)para forçarem uma lágrima ou expressão de delírio, susto ou qualquer rostinho deformado que imprima pro outro lado das telinhas algo que deve ser real, mas que nem sempre surge efeito ali mesmo, in loco, nas canchas, onde estão seus players e sua camiseta. Alias, fica aqui um aviso para esses momentos, onde os escolhidos pelas câmeras beijam seus escudos: fiquem atentos
se seus lábios não estão tocando também um dos diversos anúncios, que hoje inundam sua malha. E, realmente, nada está tão ruim que não possa piorar um pouquinho. Em 1995, mister Fernando (In) Capez determinava o fim das festas nos estádios. De lá pra cá, essa “tendência” está acelerando, deixando para trás a alegria e impondo o controle. Assim se constrói uma nova Broadway. Lavagem cerebral bem feita vem carregada de muita diversão e é feita vagarosamente,
para abafar qualquer percepção de manipulação, que agride quem não está alienado a ela. E a sociedade aceita passivamente e segue sua vida mundana, material. Sobre os estádios europeus (a musa do restante) nem sobram muitas palavras. Nem a privada da Rainha da Inglaterra deve ser tão asséptica quanto o campo do Manchester United, por exemplo, - ironicamente chamado de Teatro dos Sonhos (pesadelo ficaria bem melhor, agora). O Santiago Bernabeu, campo dos
merengues de Madrid, deve ter algum mecanismo para repelir qualquer manifestação
que não seja digna de reis – por que não lhes calam? E isso piora a cada corajosa bisbilhotada que dou, provavelmente a cada seis meses, pela ritmo que está minha vontade de ver o novo futebol. Vejam: nada contra o limpo e o burguês no futebol (afinal, ele é pra todos). Mas necessitamos de nosso cimento, nosso alambrado, nossos urros e gozos. Não me sinto um “animal” por estar atrás de uma grade – senão me sentiria assim num parque de diversões, por
exemplo. Nós, torcedores, nos tornamos animais quando somos tratados como tais pelas autoridades que organizam o jogo: com ingressos caríssimos, abuso de poder, com controle do que podemos e não podemos cantar, falar e – tudo isso – assistindo espetáculos cada vez mais fraquinhos e previsíveis pintados de épicos. E essa luta de classes no futebol não significa que somente das mais baixas na escala podem sair os verdadeiros torcedores a que me refiro sempre. Quem já viu Roberto Justus hinchando sabe do que estou falando. Mas a minha metralhadora de
hoje reflete o fuzilamento poético da maioria da população e o corte na raiz da atitude natural de ser num campo de futebol – dispensada sem honra, nem mérito. A atitude tem de vir sempre acompanhanda da mentalidade, como o yin e o yang. E este quadro pode, sempre, piorar, pelas mãos e mentes dos chefões da pelota. Mesmo que um torcedor venha das classes mais baixas, sua mentalidade e atitude já podem estar muito bem corrompidas pela nova ordem, que reflete a vida das “altas”: vide os celulares ligados e apontados sei lá pra onde, no exato momento em que seu time está fazendo um gol - sinceramente, isso pra nós do Antimídia é algo inadmissível. Ou então, novamente citando, essa exigência imediatista de vencer, como está acontecendo com o Palmeiras – que pra mim não está sofrendo nada mais, nada menos do que os efeitos do câncer do novo futebol, como todos os outros clubes estão ou vão sofrer, cedo ou tarde. Coisas assim não podem mais perpetuar. Bom domingo à todos – sem futebol “profissional”, por favor!

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Meu mundo sem futebol

Acordo. Muitas vezes, após um sono perturbado. Não posso pensar na bola. A realidade nua e crua bate à porta: a imperiosa necessidade de trabalhar, sobreviver neste Inferno. Em São Paulo, minha terra natal (que tanto amo e odeio), purgatório do bem e do mal, se encontra a infâme Babilônia – lar da exclusão e injustiça social, morada dos maiores preconceitos e afetos deste planeta. Após tomar a primeira de muitas doses de remédios que vou ingerir até o fim do dia, devo me conectar às linhas cibernéticas – até porque não encontro, de imediato, nada melhor para se fazer. Já passei do ponto de segurança de não me tornar um monstro ao combatê-los. Nem um inseto consegui me tornar – a frase de Marilene Felinto cada vez mais verdadeira e presente. Sinto-me fadigado, como se arrastasse em minhas costas uma rede lotada com toneladas de peso.
Nunca precisei do universo da música, cinema, escultura, pintura... tinha o futebol comigo, e nele havia tudo isso e muito mais. Sempre segui as tentações da vida com entusiasmo e coragem. Mas já é passado o tempo de me afastar deste vício de querer a pelota. É perigoso demais pra mim; catalisa o processo da fadiga. Devo escrever, então. Mas como o faço sempre com o coração em primeiro lugar, esta também se torna uma tarefa estafante. Exige-me lágrimas pesadas de
sangue, carreiras poéticas e figa apertada na canhota. Penso, penso e penso. Devo comer para me manter (minimamente) saudável. Tudo é caro, droga. Comer aqui custa muito dinheiro (trabalhemos, pois). Após invadir a internet, ela me rompe. O show do inútil e das notícias controladas diante de meus olhos. A mídia que serve de termômetro para esta sociedade domesticada até o talo. Para acalmá-la do caos, até mesmo dicas de como pintar as unhas vira notícia de destaque nos portais mais acessados e “respeitáveis”. O mundo se deixando levar
pelo oco. Volto ao dia-a-dia. Pouco me agrada no mundo artístico vigente, domado pelo tesão do auto-gozo e superficiais artifícios. Me arrependo, por um breve e dolorido instante, de não ter vivido qualquer outra manifestação artística com a mesma intensidade com que fiz com o futebol – ou ele teria feito isso comigo, e só ele poderia tê-lo feito? Acho que encontraria algo, sim, de meu agrado. Escondidas por aí, verdadeiras representações de arte ainda existem, sei disso. Mas não posso mais desfrutá-las, sem poder fazer com o número um em minha alma – é como um trêm perfeitamente funcionando e que de repente, perde a locomotiva. Chega! Agora, preciso pensar no trabalho. Pego às 13 horas e saio as 22. São duras, porém revigorantes horas. Fico longe das lágrimas na pressão da labuta, e só isso já bastaria para eu valorizar (e muito) aquele local. Mas como diria o pai de Kevin Arnold, “trabalho é trabalho”. Meu corpo pesa, dói em várias partes, por fora e por dentro. Moído pela fadiga física – que nunca vai ser tão intensa quanto a mental – penso muito no futebol. O problema sempre aparece se alguém quer falar de futebol comigo. Adoraria manter o mesmo padrão de alegria que eles, mas é impossível. A sombra
paira em mim desde 1996. Ela não me deixa em paz. Gera muito ataque nervoso e sinto, sempre, o dever de promover o anti futebol midiático que, inevitavelmente será (indireta ou diretamente) o assunto em questão. Sabem como é: cachorro mordido por cobra tem medo de lingüiça. Fim de expediente é hora de enfrentar a solidão do apartamento novamente. Tenho que comer mais um pouco, mas o estômago está doendo, apesar de ranger de fome. Sinto falta dos amigos,
do amor, da fiesta del fútbol! Mas não consigo mais enfrentar o caos do metrô, do transporte público paulistano. Engraçado que quanto mais propaganda otimista faz o Governo, pior, de fato, está o quadro que se tenta desenhar. Assim como no futebol moderno. Quanto mais os “narradores” gritam algo como “...é pura emoção, amigo!”, mas ela se faz ausente. Então fico comigo mesmo e o vazio do futebol e da vida. Tomo os últimos remédios: um pra dormir, outro pra não chorar, mais um pra cagar, outro pra respirar, pro psico, pro alento. E o melhor, e mais esperado, deles vem no último ato do dia, quando coloco no moderníssimo aparelho de DVD um jogo antigo qualquer – não me canso de nenhum deles! Em transe, começo a sonhar acordado. Ou teria vivido dormindo? Nem me importa. Mais um dia se foi, vencido, superado e a vida segue. Esse é o mundo de Deus, hombre! Passo longe de aceitar que minhas recentes lamúrias são sobre a vida, em primeira estância. Na derrocada é que deve-se viver seu ápice, diriam
Nietzsches, Hemingways e Seixas. É apenas a lamúria do futebol. Desse, eu já abri mão faz tempo. Boa noite.

Pelo amor dos meus filhinhos!




O futebol é meu ópio. Dependo demais dele, muito mesmo. Hoje, sofro porque não quero mais lutar por ele – não se pode ressuscitar algo jazido. Enquanto havia esperança, havia energia e futuro. Ultimamente, escrevo e falo com desânimo. Me enche de tristeza ver as pessoas ainda perdendo tempo com o futebol, vivendo-o como se ainda fosse aquele mágico jogo de alegria.
Hoje é guerra, na carne mesmo. Estão queimando nossas ações, em nome do lucro. Sinceramente, eles venceram, pilharam e nos resta esperar para ver ate onde este câncer vai
crescer sem que tudo exploda pelos ares. A televisão deixou o futebol burro,
muito burro demais.


Talvez eu esteja perdendo meu tempo ao desistir, me rebaixando mais ainda na categoria dos vermes terráqueos. Mas sei que vivi 15 anos gritando contra isso tudo, enchendo o saco de quem convive comigo, alertando “meio mundo” de que a arte esta sendo derrotada pela mediocridade rentável, a arma do capitalismo contra a vida. E todo esse ódio me levou a solidão e
loucura clinica. Não me falta força ou paciência – sobra-me desdém a este patético
circo que virou o futebol. E pra que lutar contra um circo, não? Deixem os
pulhas pularem por ai como pipocas, enquanto a semente que gera o sabugo jaz apodrecida
nas galerias das mesas de edições mídias afora. No inicio das mudanças, eu
realmente acreditava que as pessoas iriam se rebelar contra as terríveis
mentiras que construíram esse novo futebol modernista. Que por mais poderoso
que fosse, haveria um limite para a investida do dinheiro nos campos de jogo. Mas
não há. E as pessoas seguem como sempre: escolhendo o caminho da aceitação das
mudanças, sem ao menos filtrar o que se passa por seus olhos e mentes. A vida
segue, seja como for, não? E como uma catastrófica bola de neve, o que era emoção
foi sendo substituído por controle autoritário (das regras de jogo, ações
policiais, etc), festas com limites estabelecidos (parece piada imaginar um
descontrole controlado) e, principalmente, justificativas midiáticas com
efeitos imediatos no senso comum. Qualquer problema que surge e que parece ameaçar
a nova ordem é rapidamente abafado com alguma matéria televisiva idiota,
divertida infantilmente (Globo Esporte!), pouco informativa e que transforma
toda e qualquer ação de qualquer ator envolvido com o jogo (jogador, narrador,
torcedor, dirigente, autoridades) em padrão. Seja isolando aquilo que pode lhes
incomoda ou exaltando (com intensidade que envergonharia ate os faraós) aquilo
que lhes traz dinheiro (tipo esse Neymar aí). Para isso estão aí os Thiagos Leifferts.
E não adianta trocar de canal. Você não vai mais encontrar uma Bandeirantes,
que sempre representara o sentimento simples e direto de que o futebol pertencia
ao povo. Infelizmente, não o é mais. Todos envolvidos, hoje, têm o dever de
seguir (com cabresto e sorriso confiante) este mundinho que a Rede Globo trouxe
para cá, agradando mentores das Nikes, FIFAs e afins. Ai reside a certeza de
que estamos sozinhos nessa luta. Sobrou você, sua consciência e sua dor. A
ditadura não morreu; lamentavelmente, o futebol atual deixa claro isso. E a atuação
do torcedor se encontra absolutamente controlada, regulada – nem uma bandeira se
pode levar mais aos campos do jogo; quiçá manifestar-se abertamente contra
aqueles que são os proprietários do futebol. Tem mais essa: o futebol hoje tem
dono, amigo! Um, dois ou meia dúzia. Quem deveria mandar no futebol eram as
camisetas dos clubes e, conseqüentemente, os torcedores que viviam por elas.
Todos os clubes se transformaram em reféns desta hecatombe que os obrigou a
encaixar mais seis zeros nos “salários” de seus novos “craques”, seus direitos
de imagens e afins. E neste circulo vicioso, a trajetória esportiva, a linhagem
de diferentes estilos de jogo foram todos misturados nesse caos monetário e,
claro, vaidoso por parte dos milionários mimadinhos que deveriam estar ali só
pra “bater aquela bolinha”, certo? E não é mole ser milionário, filhos. É muita
coisa para manter, cuidar, bens e imagens de celebridades; o futebol tem de
ficar em segundo plano, inevitavelmente. Ate onde vamos parar? Como já escrito,
os canais televisivos não tem mais opção a não ser se enquadrar no novo molde,
pagar salários (também, claro) milionários aos comentaristas que falam cada vez
menos de futebol e esse especializam em parecerem bobos da corte da Idade Media
– entrar na dança, amigo! Promover o super show, abundante desta nova emoção cibernética,
em produção de serie, mega propagandas e vendas à valer. Jogadores, novos
artigos nas lojas, celulares touch-screen, apito de Nextel, tudo se conectando
e se perdendo no ar, automóveis luxuosos, festas excludentes e tatuagens cheias
de simbolismo oco da geração que clama pela revolução, mas não consegue dizer
mais “bom dia”, “por favor”, “obrigado”. O caos da modernidade, onde vive a
bomba atômica. E pensam que o futebol pode sobreviver intacto a tudo isso?
Nunca! Novamente, deixo aqui este recado porque o que entope, vaza. E, dentro
de mim, estou buscando auto-controle e uma saída.


Os deuses da bola devem ter iluminado um ser que esta
vendendo no centro de SP uma porrada de jogos antigos. Já comprei meia dúzia deles,
com fome de bola. Sinto, ao vê-los, um misto daquele deleite que só o futebol
pode trazer e desespero pela certeza de que não há mais aquele jogo. Alias, por
mim, ele poderia ate mudar de nome, sim senhor. Que falta eu sinto da incerteza
no jogo, que não poderia acabar. Havia a duvida no prognóstico do jogo. Narradores
bradavam a inconstância e não tinham medo de errar e de se contradizer, pois
era o jogo que fazia aquela reviravolta eterna. No olho do furacão, a sobrevivência
fala mais alto. Hoje, se muito, como acontece em jogos de vôlei (onde uma
equipe muito superior dificilmente vai perder pra outra inferior), esperam
apenas pelo escore final. Ta difícil imaginar um Ituano vencer um Santos,
realmente. Esta tudo muito controlável, dios mio! È bussiness, catso! Tem de
estar assim! Não podem mais “errar”, pois há consumidores (e não
mais só torcedores) pagando seus salários e exigindo a diversão que os
ingressos (ou pay-per-views) caríssimos exigem. A ridícula excelência à lá Wall
Street! Mas não somos bestas. Sabemos que num contexto incerto fica quase impossível
garantir o sucesso que bilionários investimentos clamam. E nós aqui, perdidos
nessa roleta do absurdo, onde a bola rola acompanhada de mil cores nas “chuteiras”
das “estrelas”. Acreditando que o sonho não acabou – tolos e maravilhosos irmãos
e irmãs. Vamos caminhando nessa estrada e nos encontrando quando a bola estufa
a rede e o trêm parece se encaixar nos trilhos novamente. Não vamos desistir de
viver. Mas precisamos acordar desse pesadelo e limpar a sujeira que ele deixa pra
trás quando a merda bate no ventilador. A televisão mandava em si mesma, tinha
responsabilidade no seu trabalho e colocava imagens do futebol para torcedores
sem ingresso assistirem aos prélios. Hoje ela manda no jogo, mermão! Ela tem
responsabilidade nas fintas, nos carrinhos (ou na Inquisição dos mesmos), nas comemorações...
em tudo! E tudo pelo dinheiro, não pelo espírito esportivo. Acham que podem
vencer isso tudo? Boa sorte, então!



*No Inferno, a gente abraça o Capeta, pois eis minha cota diária de egocentrismo também: um vídeo feito
por dois amigos da várzea, sobre futebol e loucuras. Rafael, becão de fazenda revolucionário
e Rodrigo Erib, ponta craque de bola, que só se atira ao solo quando não há mais
outra opção. http://cevadanavuvuzela.blogspot.com/2011/03/episodio-xii-fernando-toro-e-baden.html

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Pizzaz x Porras!

O futebol já acabou. Morto, como uma estrela cuja luz produz uma sensação de vida ao espectador. É no post-mortem onde ele se encontra. Agora é a hora de aceitar o destino, e virar as costas para este jogo que tanto nos ensinou. Ou, então, é hora de engolir as mentiras que sustentam o que sobrou da carcaça: vestir as mil camisas diferentes que estão a venda na super loja oficial de seu “clube”, como se a história que ilumina o passado ainda se fizesse presente, de corpo e alma, quando não o está; acreditar que os escudos nas camisas dos clubes voltaram a medir tamanho com os anúncios porque se respeita (novamente) o passado glorioso, onde jaz o significado das coisas – e não se dar conta de que não há mais diferença entre escudos e patrocínios; comparar os “craques” atuais com os do (opa, olha a mágica palavra novamente!) passado, pois se os de outrora não valiam nada perto dos de hoje, estes tem que ser – a qualquer custo moral, ético, comparativo – melhores ou, no mínimo, semelhantes aos de antes, pois assim manda o mercado que destruiu a bola; deve, também,
acreditar piamente que o campeonato brasileiro é o melhor do mundo, como se ainda houvesse alguma diferença entre ele e os da Europa ou qualquer outro rincão deste planeta. Passo este recado hoje, porque estas questões abundam minha existência, cuja necessidade de sentir e viver o futebol abunda em igual medida com este ódio que jorra em nossas ações reacionárias ao caos produzido pela ganância do capitalismo e moldado por este câncer da Terra, chamada mídia
privada.

Tempos atrás, concedi uma entrevista pro Terra, quando uma
enxurrada de jornalistas procurava a Javari para “entender” o que era aquele “ódio
eterno ao futebol moderno” que estampava a capa de um filme sobre o Juventus.
Nela, defendi Kléber como um jogador que saia da mesmice que esta geração
plastificada cria e recria com facilidade. E ele parecia mesmo um cara que ia
demonstrar em campo que o futebol é muito mais do que dinheiro – alias, é muito
mais do que tudo nessa vida quando esta sendo praticado; é o gozo que tanto
procuramos, não? Lembro bem daquele time do Palmeiras, que encerrou o jejum
palestrino de títulos desde 76 (porque entre 93 e 99 vimos uma multinacional campeã, além de um time). Gostava demais dos dois meio campistas, ambos com requintes
clássicos, e até mesmo Denílson – um dos primeiros fanfarrões, que colocaram a
bola atrás do dinheiro e que, jogando, pareciam sempre muito mais preocupados
com auto-afirmação do que com honra e gloria - demonstrou ali grande dedicação.
Passados só dois aninhos, o mesmo player está agora envolvido em mais uma patética
novelinha criada e alimentada pela mídia – logo esta acaba, e cria-se outra pro
seu lugar, exatamente como na grade de novelas comerciais. E seu futebol de
“guerreiro” também se foi, não só sua imagem de jogador envolvido com o jogo e
não com o dinheiro. Mas não sinto vergonha de minhas palavras após essa
mudança. Na mesma entrevista cravei, “o futebol moderno acaba com a resistência
das pessoas”, e assim será enquanto ele existir. Hoje, eu já nem sinto mais
falta do futebol em primeiro lugar. Sinto falta de mim mesmo, porque por mais
que eu seja forte e tente, dia após dia, não me desesperar, sei que não posso
viver mais normalmente sem o futebol. Nos últimos meses, sei que a falência (e
não me refiro aqui `a ”crise” de Boca e River, por favor!) e (mais) a morte
daquele espírito nu e cru do futebol argentino tem sido um dos principais
fatores para que essa sensação mórbida aterrorize meus nervos, minuto após
minuto. E sinto nojo de Messi, do dinheiro sujo, inútil, vago e oco.

O maior atentado terrorista que a Terra produziu foi a morte
desse jogo estupendo. Mesmo calejado por mais de 15 anos de luta contra esse
crime, me surpreendo às vezes tentando entender como conseguiram controlar algo
que era movido por emoção. Sabemos como e porquê, mas é difícil de crer como
robôs podem se tornar tão poderosos. Meu recado hoje não deve fazer muito
sentido. Assim como não faz nenhum sentido comemorar uma suposta vitória
do futebol brasileiro (pior ainda, deste “novo” Brasil, democrático” e “desenvolvido”)
sobre o de fora porque Neymar vai ficar no Santos. Como pouco faz sentido nesse
universo que antes (exatamente) nos dava norte e sul neste inferno de vida. Então,
peço desculpas a todos os amigos que, porventura, procuram este sitio pela
baixa assiduidade e vibração do mesmo. Resta-me pedir que abandonem este corpo
morto, não dêem muita bola mais ao futebol. Não significa deixar de ir ao estádio,
se emocionar e curtir os títulos destes tempos. Sigo alentando o Juve, nada
disso deve mudar. Mas há uma postura de ódio e repudio que deve ser levado aos
campos, aos bares e lares. Percebi que meu pai – corintiano fanático – anda meio
perturbado estes dias. Tirando o fato de estar preocupado com meu estado psicológico,
certeza também porque seu time anda envolvido com disputa de taça. Conheço isso
nele, e disso eu entendo! Meu colega de várzea, lusitano, também afirmou – para
meu desespero – que curtiu a campanha deste ano de sua Portuguesa campeã. Nada
disso deve mudar. O que não podemos mais é aplaudir (quando a emoção nos entupir),
sem olhar torto. Um olho no gato... Porque se continuarmos a aplaudir e comprar
as camisas, os “salários”, as mentiras, as mudanças de condutas, os
caixas-dois, a falência técnica do jogo... enfim, ai estaremos muito errados. Desde
criança ouvia a frase, “o futebol é o ópio do povo”. E desde então rechaçava
esta máxima com toda a energia que o futebol transferia a mim. Infelizmente, tenho
que acreditar hoje que, depois dessa enxurrada psicologicamente bem elaborada de
cores, imagens, shows, ele é exatamente isso. Hoje não há mais gozo, não se
escutam mais os gritos de “porra!”, que vinham carregados (da torcida, dos
players, dos árbitros e narradores)daquela energia (natural, por favor!)que
estrangulava o previsível e respondia ao que surpreendia e nos emocionava.
Hoje, está tudo cada vez mais relacionado ao mundo das celebridades, do status,
da beleza, da fama e da riqueza material. É a Broadway em carne e osso (e –
merda! – alma!). É o sentimento “pizzaz”, gíria utilizada pelos latinos que
vivem nos Estados Unidos, que reflete o desejo de ter esta abundância material –
que coincide perfeitamente com o universo da bola destes idos correntes. Aliás,
deve estar no meu sangue essa escravidão ao tempo. Peço também desculpas pela insistência
em ir e voltar o tempo (ops!) todo. Gooda bye, my friend! O futebol acabou. Resta-nos
viver sem ele.